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Aspectos jurídicos: nota técnica do MPT sobre a Medida Provisória N° 927/2020

Em razão da pandemia pelo COVID-19, o governo federal em 22.03.2020 publicou a Medida Provisória nº 927, para enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública e para preservação do emprego e da renda, dispondo de medidas trabalhistas. Nesse contexto, o Ministério Público do Trabalho em 28.03.2020 disponibilizou uma Nota Técnica, para tratar especialmente sobre a referida Medida Provisória vigente, dentre as principais recomendações estão os limites jurídicos alcançados.

A atuação do Ministério Público do Trabalho está pautada na Constituição Federal de 1988, ocorre que é importante destacar a interpretação jurídica dada à Medida Provisória nº 927/2020. Estamos numa situação mundial jamais vista e por essa razão é imprescindível a aplicação da hermenêutica jurídica de modo responsável, razoável e flexível, visando medidas efetivas que não ultrapassem os limites constitucionais. A Nota Técnica em comento é o documento oficial do MPT que dispõe das interpretações acerca de alguns artigos da Medida Provisória nº 927/2020, e por meio delas há diversas recomendações, desde inconstitucionalidade até interpretação restritiva.

Perpassando por todos os artigos abordados na Nota Técnica, vislumbra-se que as orientações de aplicação da Medida Provisória, são voltadas à luz dos dispositivos da Constituição Federal de 1988, dentre os quais estão os direitos fundamentais, os princípios da Justiça Social e da Prevalência dos Direitos humanos. Segundo o Ministério Público do Trabalho, a aplicabilidade dos acordos individuais, não poderão ter preponderância sobre os demais instrumentos normativos, posto que uma Medida Provisória não tem o condão de autorizar a inversão do ordenamento jurídico (para que as negociações entre trabalhador e empregador estejam acima de normas coletivas, da própria legislação trabalhista e constitucional).

Quanto à matéria de segurança e saúde no trabalho, o entendimento ministerial é que são inafastáveis por vontade das partes, já que àquelas são regulamentadoras do conforto no ambiente de trabalho. Afirma ainda que, a observância de regras de saúde deve ser fortalecida, em respeito aos direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988, quanto à vida, segurança, saúde, função social da propriedade, bem-estar social e redução dos riscos inerentes ao trabalho, não se admitindo a suspensão generalizada de exigências administrativas em segurança e saúde no trabalho.

Destaca-se que a interpretação da norma disposta na MP nº 927/2020, com relação às CIPAS deve ser restritiva, especialmente quanto à manutenção da referida Comissão Interna de Prevenção de Acidentes (CIPA) em razão da importância na orientação, fiscalização e cobrança de medidas protetivas contra doenças e acidentes no meio ambiente de trabalho e está prevista na Constituição da República (art. 10, II, “a”, do ADCT).

A MP nº 927/2020 dispõe ainda das possibilidades de trabalho remoto ou outra forma de trabalho à distância. A recomendação do MPT é respeito ao limite de jornada diária disposto na Constituição Federal de 1988, e ainda, quando da convocação do colaborador para retorno às atividades presenciais, esteja condicionada à cessação das medidas de contenção previstas em leis ou decretos das autoridades sanitárias, ou, caso se trate de atividade essencial, na hipótese de ser imprescindível a prestação do trabalho de forma presencial. Com relação aos estabelecimentos de saúde, fora disponibilizada a opção de prorrogação de horas e escalas, a orientação é que haja a limitação de jornadas extenuantes de trabalho, a fim de evitar adoecimentos, acidentes e mortes por exaustão desses profissionais, assim como do risco de erros, com danos aos pacientes.

Outra alternativa disposta na MP nº 927/2020, é a possibilidade de negociação entre empregado e empregador quanto a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito. O MPT recomenda a utilização da razoabilidade e proporcionalidade quanto ao período de antecipação, considerando-se o reconhecimento do estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020, orientando que os limites preservem a necessidade de gozo anual de férias para os períodos futuros.

De acordo com a MP nº 927/2020 os casos de contaminação pelo (Covid-19) não serão considerados ocupacionais, exceto mediante comprovação do nexo causal. Para o MPT esse afastamento será prejudicial aos profissionais da saúde, que não terão subsídios necessários para comprovar a origem exata da fonte de contaminação pelo vírus. E ainda que, a ausência de emissão de CAT em caso de suspeita de nexo entre o trabalho e adoecimentos, prejudica as estatísticas e o monitoramento das doenças no ambiente laborativo.

Com relação às normas coletivas, a MP nº 927/2020 prevê a possibilidade de prorrogação a critério exclusivo do empregador. Na interpretação ministerial, as empresas podem se valer dessa faculdade e prorrogar normas coletivas obsoletas. Recomenda que tal dispositivo seja suprimido ou modificado para se adequar ao ordenamento jurídico.

No que se refere à atuação da fiscalização federal trabalhista, a MP nº 927/2020 dispõe da restrição de aplicação de multas para a grande maioria de infrações trabalhistas detectadas, pelo período de 180 dias, contados, e que os auditores-fiscais do Trabalho deverão agir, como regra, de maneira a orientar, salvo quanto aos aspectos da falta de registro de empregados (e, ainda assim, somente a partir de denúncias), situações de grave e iminente risco, acidentes de trabalho fatais) e para ocorrências de trabalho escravo contemporâneo ou de trabalho infantil. No entendimento do MPT a supressão de competências essenciais da atividade de fiscalização trabalhista nesse momento, poderá prejudicar o controle de riscos ocupacionais.

O Ministério Público do Trabalho por meio da Nota Técnica apresentara os argumentos jurídicos e fáticos que alicerçam o seu posicionamento, entendendo que a Medida Provisória nº 927/2020 pode ser aperfeiçoada.

Por fim, destaca-se a importância da interpretação da norma, utilizando-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade para aplicação justa. A pandemia pelo Covid-19 trouxe uma diversidade de questionamentos e incertezas, se não houver uma flexibilização mútua entre empregado e empregador, para que juntos possam passar por essa situação atípica, os impactos na relação trabalhista poderão ser irreversíveis.

Por Ticianna Pires, Coordenadora Trabalhista do IGSA – Lex Net Fortaleza. Especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário, em Exercício Prático da Advocacia, possui MBA Executivo em Administração de Negócios.