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A desconsideração da personalidade jurídica com a alteração da Lei da Liberdade Econômica (Lei Nº 13.874/2019)

Em 20 de setembro de 2019, foi publicada a lei 13.874, a qual instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica e garantias de livre mercado, trazendo também alterações no Código Civil Brasileiro, em especial em seu art. 50, acerca da desconsideração da personalidade jurídica, implicando em uma ampliação das disposições acerca do tema.

Pessoa jurídica deve ser considerada entidade formada por indivíduos e reconhecida pelo Estado como detentora de direitos e deveres. O termo pode se referir a empresas, governos, organizações ou qualquer grupo criado com uma finalidade específica[1]

Como se trata de uma alteração da realidade fática pela formalidade, faz-se necessária ampla regulamentação para garantir maior segurança jurídica. Embora a pessoa jurídica esteja sempre se fazendo presente através de pessoas naturais, não deve haver confusão entre as pessoas, notadamente em relação ao seu patrimônio.

A separação entre os patrimônios é garantia tanto para a pessoa jurídica quanto para terceiros que se envolvem economicamente com ela. Nessa esteira, há a desconsideração da personalidade jurídica, consistindo em garantia aos terceiros que se relacionam com as empresas de que, em havendo utilização indevida da pessoa jurídica, esta poderá ser afastada, atingindo o patrimônio dos sócios e administradores para responder pelas obrigações pactuadas.

Com a supracitada lei, houve alteração na redação do art. 50 do Código Civil, vejamos:

Redação Original Lei 13.874/2019
Art. 50. Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica. Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

 

Como pode se ver, não houve alteração substancial de sentido na redação dos dispositivos, no entanto, a alteração não ficou adstrita ao caput, conforme se verá no decorrer deste artigo.

Para que seja possível a desconsideração da personalidade jurídica deve ocorrer um abuso da personalidade jurídica, seja pelo desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Na redação original, a verificação da existência de desvio de finalidade ou confusão patrimonial ficava a critério do juiz, devendo interpretar se os fatos apresentados pelas partes como indicativo de abuso estariam ou não amparados pelo referido dispositivo. A nova redação trouxe a definição de desvio de finalidade e confusão patrimonial, vejamos:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

Pelo dispositivo acima apresentado, denota-se que alguns critérios ainda ficarão a encargo do juiz interpretar, no entanto a lei conceitua o desvio de finalidade e confusão patrimonial para auxiliar os envolvidos no momento da análise da viabilidade da desconsideração.

Para que fique caracterizado o desvio de finalidade, deverá ser constatado que a pessoa jurídica foi utilizada com o propósito de lesar os credores para a prática de atos ilícitos. O dispositivo é autoexplicativo, caso os sócios/administradores utilizem a pessoa jurídica de forma a lesar os seus credores de forma intencional e/ou praticarem atos ilícitos, deverão responder diretamente pelas obrigações assumidas. Neste ponto, é importante ressaltar que deverá haver a intenção de lesar os credores, não bastando a mera inadimplência.

Já em relação a confusão patrimonial, a qual consiste na ausência de separação entre o patrimônio dos sócios/administradores e da pessoa jurídica, verifica-se que esta deve se dar de maneira recorrente e relevante para o patrimônio da sociedade, evidenciados pelos termos “cumprimento repetitivo” e “exceto os de valor proporcionalmente insignificante”, ou seja, um único pagamento de conta pessoal de baixo valor do sócio pela sociedade não deve ser considerado confusão patrimonial.

Um ponto importante a ser verificado é o impedimento de gravame sobre o patrimônio de outras pessoas jurídicas que compõem o grupo econômico, sem o preenchimento dos requisitos já aqui citados. Assim, as empresas poderão se associar umas às outras sem o receio de ter seu patrimônio atingido em caso de mero inadimplemento de obrigações.

Dessa forma, na verificação da ocorrência do preenchimento dos requisitos, a análise deverá ser feita de forma mais objetiva, evitando mera subjetividade na análise das condutas. A nova redação trouxe maior segurança e viabilidade para a desconsideração, face a especificação das condutas a serem observadas.

Nota-se que a alteração legislativa se deu no sentido seguido pela Lei da Liberdade econômica, trazendo também maior segurança aos empreendedores, evitando constrição patrimonial de sócios pelo mero inadimplemento de obrigações por parte da pessoa jurídica, pois, com conceitos abertos, a verificação do preenchimento dos requisitos ficaria apenas a critério do juiz, o que, por vezes, é temerário.

Ainda é cedo para verificar como serão as implicações práticas da alteração, principalmente se haverá impacto nas relações de consumo e trabalhista, que possuem regramento próprio, no entanto, o que se espera é uma maior liberdade econômica das empresas e a restrição aos pedidos de desconsideração, nos limites dos novos critérios apresentados pelo art. 50 do Código Civil.

[1] Fonte: https://www.dicionariofinanceiro.com/pessoa-juridica/

Yuri Amorim – Coordenador da Área de Direito Administrativo do Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados.