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ARTIGOS

Processos de licenciamento ambiental e as intervenções dos órgãos de proteção ao patrimônio cultural e histórico

A nossa Constituição Federal define e conceitua sobre o patrimônio cultural brasileiro, quais sejam, bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, incluindo ainda formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

.                                                            Nestes termos, a Constituição Federal do Brasil também traz que o Estado e a Sociedade possuem a obrigação de assegurarem sua proteção, promoção e difusão. Isso é visto doravante ao artigo 216, CFB. Conste-se.

.                                                            De certo é que em termos de nossa Constituição Federal é indicado corpus legal de salvaguarda dos bens culturais brasileiros.  Entrementes, partindo então do que determina a legislação, todos os empreendimentos seriam obrigados a também apresentarem licenciamento ambiental com viés de instrumentalizar proteção e gestão do patrimônio cultural quando da sua implantação ou operação de atividade? De quem seria esta competência?

.                                                            De valia salientar que, especialmente, no que se refere ao LICENCIAMENTO AMBIENTAL e suas peculiaridades de controle e legislações pertinentes, é imprescindível que se tenha de forma clara as competências e atribuições de cada órgão licenciador ou regulador, ao proceder ou até mesmo ao intervir nos processos de licenciamentos e implantações desde os pequenos empreendimentos aos polos industriais. Isto é ponto norteador para que o empresariado não tenha insegurança e esteja fadado ao status de            “refém” de excesso ( até que se prove o contrário) por Parte da Administração Pública decorrendo em autuações por possíveis órgãos intervenientes.

.                                                            Desta forma, a clarividência das atribuições dos órgãos públicos é sobremaneira importante, até mesmo entre os próprios órgãos da Administração Pública, para que haja uniformidade de entendimentos e procedimento de licenciamento por um único ente, considerando os Princípios da Efetividade, da Segurança Jurídica e da Autonomia dos Entes Públicos.

.                                                            Partindo deste ponto, não é novidade a fiscalização costumeira em empreendimentos sobre a regularidade de obras e atividades fins, onde ocorrem autuações, em maioria das vezes, por órgãos intervenientes onde estes, sequer, são os responsáveis pela emissão do licenciamento ambiental.

.                                                            Importante ventilar oportunamente que esses excessos, destaque-se, vão de encontro aos ditames da Lei Complementar 140/2011, quando esta traz em caput do Art. 17 que: “(…) compete tão somente ao órgão responsável pelo licenciamento, a lavratura de possíveis autos de infrações. (…)”

.                                                            Em apertada síntese, as atribuições de fiscalização sobre conformidades de empreendimentos e/ou atividades potencialmente poluidoras não são impedidas aos demais entes federativos, obviamente! Tampouco suas ações para determinar, mitigar, cessar ou evitar danos de degradação da qualidade ambiental. Ocorre que, cabe somente ao órgão licenciador que detenha a atribuição de licenciamento, a competência para lavraturas das infrações aduzidas. Portanto, qualquer órgão interveniente deverá, obrigatoriamente, fazer constar fato ao ÓRGÃO LICENCIADOR para que aquela tome providências.

.                                                            Mas, dentre as competências e atribuições dos entes federados em licenciamento ambiental, os órgãos intervenientes, especialmente o IPHAN – INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E CULTURAL ARTÍSTICO, poderiam notificar e lavrar autos de infrações mesmo o empreendimento estando devidamente licenciado pelo órgão REGULADOR E LICENCIADOR competente?

.                                                            Como se sabe, o procedimento de licenciamento ambiental é peculiar e, muitas das vezes, demandará a intervenção de diversos órgãos públicos além daqueles responsáveis pelo licenciamento, para fins de resguardar bens que poderão ser afetados negativamente pelo empreendimento em implantação. Portanto, em princípio, tais órgãos intervenientes (aqueles distintos do órgão responsável pelo licenciamento, tais como o IPHAN, Funai, Ibama, Instituto Chico Mendes, etc.) não podem estar autorizados às emissões de autuações diretas quando não forem responsáveis pela emissão da licença ambiental em suposta questão. É o que se vê em Doutrinas: “Os órgãos externos, em princípio, não estão autorizados a emitir opiniões sobre os impactos ambientais, especificamente aqueles que dizem respeito ao meio biótico”. (ANTUNES, Paulo de Bessa. “Direito Ambiental”. 17 ed. São Paulo: Atlas)

.                                                            Embora coordenado por um único ente – o órgão licenciador – projetos que passam por diversas instâncias administrativas regulatórias federais, estaduais e até municipais, sendo que cada entidade, atuando sob os regimes de especialização e de mútua colaboração, desempenham uma parcela do conjunto das competências que, somadas, desenham o destino do projeto. Todavia, imprescindível salientar, neste ponto, que o parecer dos demais órgãos envolvidos com o licenciamento, sejam eles, por exemplo, o Ibama, IPHAN, Funais, os Municípios, dentre outros, não vinculam as decisões do órgão licenciados (art. 13, § 1º, da LC 140/2011).

.                                                            De fato, os órgãos intervenientes são consultados sobre a (in)viabilidade ambiental do empreendimento, em suas respectivas esferas de competência, mas o ‘Senhor” do licenciamento é, exclusivamente, o indicado pela lei, dentre os integrantes do SISNAMA. Em outros termos, os órgãos intervenientes devem ser ouvidos no licenciamento ambiental, mas quem decide sobre as efetivas condicionantes de tal processo, ou quanto ao momento de seu cumprimento, é o órgão licenciador. Ou seja, apenas o órgão licenciador vinculado ao SISNAMA é que pode prever condicionantes, o momento de seu cumprimento ou especificar o grau de impacto da atividade ou do empreendimento. Por sua vez, ao IPHAN – Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, autarquia federal vinculada ao Ministério da Cultura criada em 13/01/1937 por meio da Lei Federal nº 378, compete a nobre missão de proteger e promover o patrimônio arqueológico, os bens tombados e dos bens culturais do país. Não se trata de órgão integrante do SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente e, como se verá adiante, a sua participação em processos de licenciamento deve ser restrita, aplicando-se, portanto, o cerne de que o papel dos órgãos intervenientes não pode extrapolar os limites legais de sua atuação.

.                                                            Sem dúvida que o patrimônio histórico demanda proteção, mas essa responsabilidade não pode ser transmitida ao particular e, tampouco, em nome da autonomia constitucional dos entes federativos e da unicidade de licenciamento, que o licenciamento ambiental seja palco para essa transmissão. O licenciamento ambiental se destina à preservação do meio ambiente equilibrado, deve se ater a isso e garantir, por completo, os Princípios da Estrita Legalidade, da Segurança Jurídica, da Efetividade e da Autonomia. Em tempo, porque não dizer até mesmo da economia, frente à agitação de mercados e sustentabilidade da economia, inclusive mundial, atualmente. Desenvolvimento e meio ambiente podem andar de mãos dadas sim!  

Por Anne Aguiar, Advogada da Área Cível/Ambiental do IGSA.