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ARTIGOS

A teoria da perda de uma chance

A teoria da perda de uma chance surgiu na França, no final do século passado. O primeiro julgado que acolheu a possibilidade de indenização da vítima pela perda de uma chance ocorreu quando a Primeira Corte de Cassação da França julgou o caso de um erro no diagnóstico que culminou com a prescrição de tratamento inadequado por um médico, trazendo como consequência a invalidez da vítima. A corte acatou a tese de que presunções suficientemente graves, precisas e harmônicas podem conduzir à responsabilidade, condenando o médico a indenizar pela perda da chance de cura.

Também se verificou a utilização do instituto no sistema da Common Law, na Inglaterra, em 1911. Chaplin v. Hicks tratou da chance perdida por uma candidata a um concurso de miss que foi impedida pela organização do concurso de participar da etapa final. O relevante neste caso é que pela primeira vez se fez um cálculo estatístico para apurar o quantum indenizatório. Os julgadores entenderam que, como haviam 12 (doze) prêmios a serem conferidos às ganhadoras, a chance da candidata impedida de participar, de auferir um desses prêmios era de somente 25% (vinte e cinco), não podendo a sua indenização ser superior a este montante.

O reconhecimento da chance perdida na Itália se deu em 1966, através de Adriano de Cupis. Este autor vislumbrou um dano independente do resultado final, vinculando a chance perdida a um dano emergente e não aos lucros cessantes. Através do estudo de casos, concluiu que em todos eles a vitória não era certa, mas que existia uma possibilidade de vitória, que seria um dano jurídico passível de indenização. Assim, restou elucidada a questão da certeza do dano e do nexo de causalidade, pois se passou a considerar o dano como a perda da chance da vitória e não a perda da vitória, esta sim, incerta.

Ressalte-se ser certo que a mitigação dos elementos da responsabilidade civil pela teoria da perda de uma chance não é de fácil análise, entretanto, ao aplicar a teoria devemos ter ciência que: não se indeniza a vantagem perdida, mas sim a perda da possibilidade de se conseguir tal vantagem; o termo chance significa uma possibilidade ou probabilidade de resultado favorável; e a indenização da chance perdida não afasta a certeza do dano, tendo em vista que a possibilidade perdida era existente. Ou seja, perdida a chance o dano é certo.

Deve-se ter em mente que o bem jurídico tutelado pela teoria da perda de uma chance é a probabilidade real de alguém obter um lucro ou evitar um prejuízo, totalmente desvinculado do resultado final, reconhecidamente certa e real, excluindo-se as meras expectativas e possibilidades hipotéticas.

Desta forma, a chance, em si, pode ser considerada como um bem autônomo, cuja violação pode dar lugar a indenização, conforme sua valoração econômica, sendo então, necessária a utilização da teoria da causalidade proporcional, que nunca alcançará o valor do bem perdido.

No Brasil, ao analisarmos os arts. 186 e 403 do Código Civil, temos que nosso ordenamento traz a possibilidade de aplicação da teoria ora abordada, sendo destaque as decisões apontadas por nossos tribunais, como por exemplo, os casos do Corredor Vanderlei Cordeiro de Lima e do Show do Milhão.

Entretanto, merece reflexão a questão da ampla aplicação da teoria pelos nossos julgadores, produzindo decisões que ultrapassam os limites apresentados na ação, afinal, é importante ter em mente que a responsabilização pela perda de uma chance é distinta da indenização por dano moral. Para que seja indenizada, deve ser requerida.

A Perda da Chance difere do Dano Moral, pois aquela tem caráter material, onde não se está avaliando a dor suportada pela vitima pela ocorrência de um evento danoso, mas sim o que esta vítima deixou de auferir em virtude da perda da chance.

É tanto, que a determinação do quantum indenizatório deve ser calculada com base nas chances estatísticas da realização da oportunidade perdida, isto é, indeniza-se o valor econômico da chance e não a dor suportada pelo resultado final. A Itália, por exemplo, acolheu a tese de indenizar somente aquelas chances onde haveria possibilidade de êxito superior a 50% (cinqüenta) e a partir daí aplicar a estatística do resultado favorável para chegar ao quantum devido.

Embora a realização da chance nunca seja certa, a perda da chance pode ser certa. Por estes motivos não vemos óbice à aplicação da teoria. Entretanto, ainda não existe uma definição da doutrina quanto a sua aplicabilidade, verificando-se a existência de duas correntes principais: uma que trata a perda de uma chance como sendo advinda do nexo causal parcial com o resultado final, e a outra que entende a mesma como um dano autônomo.

Para os que defendem a teoria da perda de uma chance advinda do nexo causal parcial com o resultado final, o nexo de causalidade avalia a ligação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o prejuízo sofrido pela vítima, ou seja, é uma análise alternativa da causalidade do evento danoso, imprimindo ao nexo de causalidade a função de ser medida de obrigação de indenizar.

Já para os defensores da teoria sob o prisma do dano autônomo, no momento que a chance foi perdida já estaria inserida no patrimônio da vítima, sendo que a conduta do ofensor interrompeu um processo que lhe era favorável.

Não se trata de mitigação do nexo causal, mas o seu deslocamento para a chance em si, constituindo esta o próprio dano.

Em recente julgado no STJ, datado de 17 de abril de 2018, o ministro Luis Felipe Salomão, relator do REsp 1540153, apresentado por instituição financeira condenada pelo TJRS a pagar indenização a investidor que sofreu prejuízos por ter sido privado de negociar suas ações por valor maior, após elas serem vendidas sem autorização, afirma que “O dano causado na responsabilidade civil pela perda de uma chance é a perda da chance em si considerada, e não a vantagem esperada. Por isso, a indenização deve corresponder à própria chance, e não ao resultado útil esperado”, mantendo a sentença de piso, seguido por seus pares, em unanimidade.

Desta forma, embora não se olvide que há intenso debate doutrinário relativo à aplicação da teoria da perda de uma chance, entendo que a melhor forma para sua aplicação é contemplando-a como uma modalidade autônoma de indenização, devendo ser invocada nas hipóteses em que não se pode apurar a responsabilidade direta do agente no dano final, mas na chance de que privou a vítima.

Por Irene Flávia de Souza Serenário, sócia diretora da área hospitalar do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, LEXNET Fortaleza.