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A Contracautela na Tutela de Urgência

O código de processo civil prevê a possibilidade de o juiz deferir tutela de urgência desde que haja nos autos elementos que indiquem a probabilidade do direito pleiteado e o perigo de dano ou mesmo ao resultado útil do processo, podendo o magistrado exigir caução apta a ressarcir os danos que a parte adversa possa vir a sofrer, vejamos os exatos termos:

 

Código de Processo Civil,

Art. 300.  § 1º Para a concessão da tutela de urgência, o juiz pode, conforme o caso, exigir caução real ou fidejussória idônea para ressarcir os danos que a outra parte possa vir a sofrer, podendo a caução ser dispensada se a parte economicamente hipossuficiente não puder oferecê-la.

 

A lógica impõe reconhecer que a caução a que se refere o artigo supra só pode se referir aos eventuais danos decorrentes da própria concessão da tutela. Portanto, a interpretação correta do dispositivo levaria o juiz a exigir caução, que desde logo denominamos contracautela, cujos parâmetros quantitativos fossem compatíveis com o valor do ato jurídico em questão.

 

Não há que levar em conta, nesse caso, o valor da causa, pois a lógica da concessão da tutela de urgência é a do gerenciamento de riscos. Deve o julgador ponderar entre os efeitos de conceder e de negar e os possíveis danos que cada decisão pode gerar, sempre prezando pela prudência ao alocar esses riscos.

 

Essa diferença, aparentemente sutil, pode ter dimensões patrimoniais consideráveis. O correto dimensionamento do risco é especialmente importante para o caso do cancelamento de protesto, recorrente na realidade empresarial, em que, não raro, se vê a prática da emissão de duplicatas em nome de uma empresa que jamais requisitou o serviço ou produto delas constantes.

 

A importância dessa discussão é curial, visto que é prática comum no âmbito das relações contratuais afetadas pelo direito empresarial a emissão de títulos cambiários em decorrência de operações de compra e venda de mercadorias ou de prestação de serviços.

 

Ocorre que, conforme entendimento pacificado pelo STJ (ver informativos de jurisprudência 0473 e 0535), a qualidade cambial desses instrumentos depende, inexoravelmente, da comprovação da existência do negócio jurídico subjacente, ou seja, a comprovação da existência da relação contratual que dá suporte à referida cobrança.

 

O instituto do protesto foi criado justamente para conferir aos títulos de crédito uma forma extrajudicial, célere e eficiente de pressionar o devedor a pagar, sob pena de ficar o seu inadimplemento de conhecimento público, inviabilizando, na prática, a tomada ordinária de crédito com a maioria das instituições financeiras e com os fornecedores, bem como impedindo, por força de lei (Lei 8.666), de contratar com o poder público.

 

E é muito bem vindo esse instrumento no nosso sistema jurídico, visto que a sua existência confere maior credibilidade e celeridade às relações contratuais diversas, bem como imbui de maior confiabilidade os próprios títulos, sem a qual de nada servem.

 

Entretanto, não raramente, empresas se valem da possibilidade de negociar duplicatas com instituições financeiras antes mesmo de materializarem os negócios nelas descritos, quer por má-fé, quer por ter a legítima expectativa de que o negócio jurídico subjacente seja realizado frustrado no decurso do tempo por eventos imprevistos.

 

Ocorre que os endossatários se valem da pretensa natureza cambial dos títulos para cobrá-los diretamente dos sacados nelas indicados, protestando-os no caso de não pagamento, o que pode surpreender a empresa “sacada”, que muitas vezes sequer tinha conhecimento de que tal duplicata fora emitida em seu nome.

 

Essa situação fática recorrente no direito empresarial é uma dentre muitas que enseja para a ofendida a necessidade de proteger em juízo o seu bom nome e reputação, muitas vezes sob risco de falência (empresas cujo objeto social é contratar com o poder público que fazem contratos de elevada monta e que perduram por muitos anos), ao quê a ofendida se vê obrigada a requerer uma tutela de urgência, sem a qual de pouco aproveitaria discutir em juízo o negócio subjacente.

 

É nessa hora que o judiciário tem tomado um caminho, a nosso ver, desconforme com os princípios que informam o código de processo civil, especialmente à norma jurídica que confere ao magistrado o poder de exigir a contracautela; visto que tem, recorrentemente, exigido caução real no valor do título para deferir a sustação de protesto.

 

Data vênia os recorrentes juízos, imperioso destacar que o cancelamento do protesto não é o mesmo que o cancelamento do título. Cada um tem um valor patrimonial certo e determinado (ou ao menos determinável), e o risco de deferir a sustação de protesto em sede de liminar não é o de impedir a protestante de receber o valor do título, mas sim, na pior das hipóteses, de obriga-la a futuramente ter de protestar novamente o título, devendo essa despesa ser garantida por caução e não o valor do título.

 

Na verdade, exigir garantia no valor do título é contra o interesse da própria protestante, isso porque pode gerar a falência da empresa protestada (caso não tenha como prestar a caução e se veja impedida, por exemplo, de contratar com o poder público) e consequentemente tornar o crédito questionado muito mais difícil de ser recebido.

 

Ademais, já é entendimento pacífico no Superior Tribunal de Justiça que não cabe promover a inscrição em cadastros de inadimplentes por decorrência de dívida sub judice (REsp 263546 / SC), bem como do cabimento de liminar para sustar o protesto (REsp 396894 / RS, REsp 431262 / SP, REsp 417824 / SP, REsp 419058 / SP). Há, entretanto, muitas decisões que reconhecem ao magistrado a quo a possibilidade de exigir caução para o cancelamento de protesto, mas isso se deve ao fato de que o juízo a quo é o mais adequado para conhecer os detalhes materiais do feito e decidir com maior profundidade e certeza sobre a extensão e efeitos das liminares que defere.

 

Isso não quer dizer, por outro lado, que o STJ tenha firmado entendimento a respeito da adequação e dimensão dessa exigência. E, para que essa tese prospere e leve o judiciário de primeira instância a aplicar com mais equilíbrio e proporcionalidade o instituto aqui denominado contracautela é fundamental que ela seja levantada com maior frequência para que, fomentando a discussão, possa-se chegar à síntese Hegeliana tão desejável a qualquer discussão, para que a caução exigida como garantia para a concessão de tais liminares seja com maior frequência compatível com os princípios constitucionais da razoabilidade e proporcionalidade.

Por Macsimus Walesko de Castro Duarte, advogado do escritório Imaculada Gordiano Sociedade de Advogados, LEXNET Fortaleza.